sábado, 15 de dezembro de 2012

"Você é os brinquedos que brincou, é os nervos a flor da pele, os segredos que guardou. Você é sua praia preferida, aquele amor atordoado que viveu, a conversa séria que teve um dia com seu pai, você é o que você lembra. Você é a saudade que sente da sua mãe, a infância que você recorda, a dor de não ter dado certo, de não ter falado na hora. Você é aquilo que foi amputado no passado, a emoção de um trecho de livro, a cena de rua que lhe arrancou lágrimas, você é o que você chora. Você é o abraço inesperado, a força dada para o amigo que precisa. Você é o pêlo do braço que eriça, a sensibilidade que grita, o carinho que permuta. Você é a palavra dita para ajudar, os gritos destrancados da garganta, os pedaços que juntam. Você é o orgasmo, a gargalhada, o beijo, você é o que você desnuda. Você é a raiva de não ter alcançado, a impotência de não conseguir mudar, você é o desprezo pelo que os outros mentem. Você é aquele que rema, que cansado não desiste, você é a indignação com o lixo jogado do carro, a ardência da revolta. Você é aquilo que reivindica  o que consegue gerar através da sua verdade e da sua luta, você é os direitos que tem, os deveres que se obriga. Você é a estrada por onde corre atrás, serpenteia, atalha, busca, você é o que você pleiteia. Você não é só o que come e o que veste. Você é o que você requer, recruta, rabisca, traga, goza e lê. Você é o que ninguém vê!" 
Martha Medeiros

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

"Pego o telefone e uma maçã. Talvez morder alguma fruta no meio do diálogo dê a impressão de que te ligar é um acontecimento casual, que estou nem aí na verdade, só estou fazendo hora porque a água do meu banho ainda não esquentou, e eu estava sem nada pra fazer de toda forma. “E aí, como vão as coisas?”, ensaio. Abocanho a maçã, mas não digito seus números.
Quando crio coragem, o buraco na fruta exibe a carne ressecando e escurecendo de oxidação. Ligo, chama-chama e não atende. Me sinto enjoado. A secretária eletrônica me encaminha até a caixa postal. Deixo recado: – Juro, dessa vez estive muito perto de te esquecer." 
Gabito Nunes